10/10/2019

Os pés dela pareciam não tocar o chão, tamanha era suavidade que possuía. Começou lentamente, subindo e abrindo como um botão de rosa, movendo os braços e na ponta da sapatilha e conforme a música ia aumentando as notas e o ritmo, seus rodopios tornavam-se mais rápidos, mais precisos. Uma das pernas parecia servir de força para iniciar cada uma das voltas, lançando-se na frente e fazendo o vestido curto azul criar camadas e torná-la ainda mais bela.
Um anjo. Quase podia ver asas e faíscas saindo de seu corpo. Mesmo com os olhos fechados ela parecia saber exatamente onde pisar e terminava cada parte da elaborada coreografia sempre virada para o espelho, como se estivesse em um palco, com uma plateia para agradar. Sabia que os olhos fechados eram sua alma dizendo o quão sozinha se sentia, como não se encaixava naquele mundo, naquele tempo — uma criatura tão bela diariamente ofuscada no meio do caos.
Os movimentos eram delicados e ao mesmo tempo brutos, irradiando tristeza e raiva. Ela parecia dançar para si mesma, talvez um eu há muito perdido ou alguém que desejava se tornar. Ali, naquela sala de paredes branca com espelhos e barras de aço, era ela mesma. Linda. Exatamente nos momentos em que as notas da música subiam e desciam, um de seus pés apoiado no chão acompanhava perfeitamente o movimento, enquanto a outra perna permanecia reta em noventa graus, rodopiando numa velocidade incrível.
Eu assistia ao show da porta da sala, completamente vidrado, encantado, apaixonado. Não havia palavras suficientes para expressar o tamanho da admiração que eu possuía por ela. O mundo ao redor não me importava, não necessitava de comer ou até mesmo dormir: minha única urgência era apreciá-la. Sentia tanta saudade de seu toque, da sua pele, de seu sabor... Será que nós estávamos destinados à distância? Ou tudo não passou de um erro? A música estava chegando ao fim e, junto com ela, o meu precioso momento. O relógio não era meu amigo.
Nos momentos finais, ela rodopiava ainda mais rápida, descendo gradativamente a perna e depois todo o corpo, perdendo velocidade conforme ia se aproximando do chão, encolhendo-se. A rosa que desabrochara estava novamente tornando-se um botão, ainda com os olhos fechados e com os cachos do cabelo longo fazendo uma cortina ao redor de seu corpo. E no mesmo minuto que a música parou, a coreografia acabou e ela abriu os olhos.
Assustei-me. Não estava preparado para encarar seus olhos castanhos, para a surpresa neles. Minha vontade era sair dali correndo mas, minhas pernas não conseguiam se mover com a devida velocidade e tudo ao redor parecia em câmera lenta. Precisava sair dali o mais rápido possív...
— Espere. — ela disse e eu parei no lugar. Afinal, o que era uma ordem do meu cérebro perto de uma ordem dela?! Nada.
Parei de frente para ela, apenas um pouco mais baixa que eu. Encarei seu rosto, procurando traços de que ainda sentia alguma coisa, de que ainda me queria. Precisava de um sinal, qualquer um, que indicasse que ainda podíamos retomar de onde tão abruptamente paramos. Continuava ali parada, com a respiração ofegante do exercício recém-acabado, com os olhos fixos nos meus e com uma tempestade lutando neles. Eu torcia, fervorosamente, para que ainda gostasse de mim.
— Me desculpe. — meus lábios formaram a frase antes que pudesse impedi-los. Queria que ela entendesse tanta coisa com essa apenas uma frase...
Ela ergueu uma das mãos e tocou meu rosto. Muito suavemente, apenas um roçar de dedos contra a pele que enviou arrepios por todo meu corpo. Ah, como eu a desejava. Não resisti e passei as pontas dos dedos pelo contorno de seu rosto, implorando aos céus para tatuar na minha alma cada traço dela, para decorá-los e poder apreciá-lo todos os dias, mesmo que à distância.
Não sei qual de nós cedeu primeiro à luta interna. Num minuto ela estava em meus braços, com o corpo tão junto ao meu que parecíamos um só: podia sentir novamente suas curvas e seu coração batendo, tão rápido quanto o meu. Podia encaixar o rosto na curva do pescoço e sentir seu perfume, o mesmo que assombrou e deixou noites sem sono. No minuto seguinte, eram seus lábios contra os meus, implorando, querendo, me enviando — finalmente — o sinal de que tanto precisava para seguir.
E ali, naquela sala de paredes branca com espelhos e barras de aço, não existia tempo: tudo se resumira a toque, sabor e sentimento. O que começou com rapidez e necessidade de saciação de um desejo transformou-se em apreciação do momento. Parecia que nós nem sequer nos conhecíamos, era como se estivéssemos fazendo aquilo pela primeira vez, descobrindo onde tocar e o que fazer.
Então, uma corrente de ar fez com a porta batesse e, junto com ela, nos trouxesse novamente para o mundo. Um leve rubor subia por suas bochechas, parecia querer cavar um buraco e sumir. Não, de novo não. Envolvi-a nos meus braços, apertando-a e dei um beijo em sua testa.
Meu coração era dela e não vou deixar nosso orgulho destruir isso mais uma vez.


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*Texto de autoria própria.

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