Os pés dela pareciam não
tocar o chão, tamanha era suavidade que possuía. Começou lentamente, subindo e
abrindo como um botão de rosa, movendo os braços e na ponta da sapatilha e conforme
a música ia aumentando as notas e o ritmo, seus rodopios tornavam-se mais
rápidos, mais precisos. Uma das pernas parecia servir de força para iniciar
cada uma das voltas, lançando-se na frente e fazendo o vestido curto azul criar
camadas e torná-la ainda mais bela.
Um anjo. Quase podia ver asas e faíscas saindo de seu corpo. Mesmo com os olhos
fechados ela parecia saber exatamente onde pisar e terminava cada parte da
elaborada coreografia sempre virada para o espelho, como se estivesse em um
palco, com uma plateia para agradar. Sabia que os olhos fechados eram sua alma
dizendo o quão sozinha se sentia, como não se encaixava naquele mundo, naquele
tempo — uma criatura tão bela diariamente ofuscada no meio do caos.
Os movimentos eram
delicados e ao mesmo tempo brutos, irradiando tristeza e raiva. Ela parecia
dançar para si mesma, talvez um eu há muito perdido ou alguém que desejava se
tornar. Ali, naquela sala de paredes branca com espelhos e barras de aço, era
ela mesma. Linda. Exatamente nos
momentos em que as notas da música subiam e desciam, um de seus pés apoiado no
chão acompanhava perfeitamente o movimento, enquanto a outra perna permanecia
reta em noventa graus, rodopiando numa velocidade incrível.
Eu assistia ao show da
porta da sala, completamente vidrado, encantado, apaixonado. Não havia palavras suficientes para expressar o tamanho
da admiração que eu possuía por ela. O mundo ao redor não me importava, não
necessitava de comer ou até mesmo dormir: minha única urgência era apreciá-la. Sentia
tanta saudade de seu toque, da sua pele, de seu sabor... Será que nós estávamos
destinados à distância? Ou tudo não passou de um erro? A música estava chegando
ao fim e, junto com ela, o meu precioso momento. O relógio não era meu amigo.
Nos momentos finais, ela
rodopiava ainda mais rápida, descendo gradativamente a perna e depois todo o
corpo, perdendo velocidade conforme ia se aproximando do chão, encolhendo-se. A
rosa que desabrochara estava novamente tornando-se um botão, ainda com os olhos
fechados e com os cachos do cabelo longo fazendo uma cortina ao redor de seu
corpo. E no mesmo minuto que a música parou, a coreografia acabou e ela abriu
os olhos.
Assustei-me. Não estava
preparado para encarar seus olhos castanhos, para a surpresa neles. Minha
vontade era sair dali correndo mas, minhas pernas não conseguiam se mover com a
devida velocidade e tudo ao redor parecia em câmera lenta. Precisava sair dali
o mais rápido possív...
— Espere. — ela disse e
eu parei no lugar. Afinal, o que era uma ordem do meu cérebro perto de uma
ordem dela?! Nada.
Parei de frente para ela,
apenas um pouco mais baixa que eu. Encarei seu rosto, procurando traços de que
ainda sentia alguma coisa, de que ainda me queria. Precisava de um sinal,
qualquer um, que indicasse que ainda podíamos retomar de onde tão abruptamente
paramos. Continuava ali parada, com a respiração ofegante do exercício
recém-acabado, com os olhos fixos nos meus e com uma tempestade lutando neles.
Eu torcia, fervorosamente, para que ainda gostasse de mim.
— Me desculpe. — meus
lábios formaram a frase antes que pudesse impedi-los. Queria que ela entendesse
tanta coisa com essa apenas uma frase...
Ela ergueu uma das mãos e
tocou meu rosto. Muito suavemente, apenas um roçar de dedos contra a pele que
enviou arrepios por todo meu corpo. Ah,
como eu a desejava. Não resisti e passei as pontas dos dedos pelo contorno
de seu rosto, implorando aos céus para tatuar na minha alma cada traço dela,
para decorá-los e poder apreciá-lo todos os dias, mesmo que à distância.
Não sei qual de nós cedeu
primeiro à luta interna. Num minuto ela estava em meus braços, com o corpo tão
junto ao meu que parecíamos um só: podia sentir novamente suas curvas e seu
coração batendo, tão rápido quanto o meu. Podia encaixar o rosto na curva do
pescoço e sentir seu perfume, o mesmo que assombrou e deixou noites sem sono.
No minuto seguinte, eram seus lábios contra os meus, implorando, querendo, me
enviando — finalmente — o sinal de que tanto precisava para seguir.
E ali, naquela sala de
paredes branca com espelhos e barras de aço, não existia tempo: tudo se
resumira a toque, sabor e sentimento. O que começou com rapidez e necessidade
de saciação de um desejo transformou-se em apreciação do momento. Parecia que
nós nem sequer nos conhecíamos, era como se estivéssemos fazendo aquilo pela
primeira vez, descobrindo onde tocar e o que fazer.
Então, uma corrente de ar
fez com a porta batesse e, junto com ela, nos trouxesse novamente para o mundo.
Um leve rubor subia por suas bochechas, parecia querer cavar um buraco e sumir.
Não, de novo não. Envolvi-a nos meus
braços, apertando-a e dei um beijo em sua testa.
Meu coração era dela e
não vou deixar nosso orgulho destruir isso mais uma vez.
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*Texto de autoria própria.